A economia brasileira ainda não havia se recuperado totalmente da recessão de 2015/2016 quando foi afetada pelos efeitos da pandemia de covid-19, iniciada em março deste ano. Os setores industrial e de serviços foram prejudicados de forma severa, ao passo que, na agricultura, os impactos foram mitigados, especialmente nos segmentos voltados para o mercado externo.
No caso da cadeia produtiva da mandioca (formada, além da parte agrícola, por indústrias de fécula e de farinha, que atendem especialmente à demanda interna e com potencial para explorar nichos no mercado internacional), esta tem sido afetada de diferentes maneiras.
Dados mais recentes da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) mostram que, em 2018, o Brasil foi o quinto maior produtor mundial de mandioca, somando 17,6 milhões de toneladas. A raiz é cultivada em grande parte por pequenos produtores, especialmente os da agricultura familiar, justamente os mais vulneráveis aos efeitos da covid-19.
Para enfrentar esse período e garantir a segurança alimentar, o governo federal realizou algumas medidas de socorro. Um destaque foi a aprovação da Lei 13.987/2020, que permitiu a distribuição de alimentos adquiridos pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) às famílias de crianças com idade escolar durante o período em que as aulas ficarem suspensas.
Outras ações foram a alocação de R$ 500 milhões para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o auxílio emergencial de R$ 600 por família durante cinco meses (que, segundo estudo do Cepea elevou a renda e reduziu a pobreza no Brasil). Esses instrumentos, além de terem efeitos positivos na manutenção da renda desses pequenos produtores, podem ajudar a manter estável a produção da raiz de mandioca, especialmente no Nordeste.
Já no Centro-Sul, a produção de mandioca é realizada por agricultores maiores e que utilizam mais tecnologia. Nestes casos, o cenário mais favorável verificado para outras atividades agrícolas voltadas ao mercado externo tem resultado em substituição de áreas de mandioca, mas ainda com pouco efeito sobre a área total.
FÉCULA – Pelo fato de a fécula (amido) de mandioca ser um insumo utilizado em uma grande gama de produtos, este elo da cadeia foi afetado de forma um pouco mais intensa. Isso ocorreu devido às quedas na produção industrial e nas vendas no varejo – ressalta-se, contudo, que esse segmento vem mostrando certa reação nas últimas semanas.
De acordo com cálculos do Cepea, o consumo aparente de fécula de mandioca no acumulado de janeiro a julho totalizou 316,8 mil toneladas, recuo de 11% frente ao mesmo período do ano passado e o menor desde 2017. Vale destacar que a diminuição só não foi maior por conta do bom desempenho das exportações desse derivado. Segundo dados da Secex, de janeiro a julho de 2020, os embarques de fécula cresceram 59% frente ao mesmo período de 2019, estimulados pelo dólar valorizado frente ao Real.
O último Boletim Focus do Banco Central do Brasil (Bacen) apontou que o PIB brasileiro deve encolher 5,62% neste ano e a produção industrial, 7,87%. Deste modo, uma recuperação mais duradoura na demanda por amidos vai depender da melhora neste cenário, que, ao menos no médio prazo, ainda não mostra reação consistente.
FARINHA – O quadro está mais favorável para este derivado. Apesar dos recentes auxílios governamentais, o possível agravamento do desemprego tende a diminuir a renda e, consequentemente, o poder de compra da população. Esse contexto, por sua vez, favorece o consumo de farinha que, vale lembrar, se caracteriza como um bem inferior, registrando queda no consumo de acordo com o aumento na renda e vice-versa.
Independente da intensidade do(s) choque (s) em cada elo da cadeia produtiva, muitas incertezas ainda pairam. A maior é sobre a duração da crise e até que ponto ela responderá aos instrumentos de política econômica adotados. Outra incerteza é quanto a possíveis solavancos durante a recuperação em curso. O que se espera é que, mais uma vez, o agronegócio saia fortalecido, sendo um ponto de apoio para os demais setores econômicos.
*Fábio Isaías Felipe é economista e pesquisador do CEPEA.
Publicado originalmente em 17.08.2020