Os estados do Centro Sul do Brasil enfrentaram no ano passado longos períodos de estiagem. Em compensação, no primeiro mês de 2021, nos mesmos estados, as chuvas foram muito acima da média. Na região de Paranavaí (Noroeste do Paraná), maior produtora de mandioca para fins industriais, em algumas propriedades o volume acumulado passou de 620 mm.
De acordo com o Serviço de Agrometeorologia do IDR-PR, no município de Paranavaí o acumulado foi de 339,1 mm, bem mais que os 102.6 mm de janeiro de 2020, quase o dobro da média histórica (188,1 mm) e mais de 20% da média histórica anual, que é de 1.517 mm.
Na reunião mensal da Associação Brasileira dos Produtores de Amido de Mandioca (ABAM), realizada no mês passado, dia 29, industriais reclamaram que o excesso de chuvas vinha reduzido a oferta da raiz e vários produtores estavam relatando o surgimento de doenças provocadas pelo excesso de chuvas.
Afinal que doenças e pragas podem atacar as lavouras de mandioca em período de estiagem, como aconteceu em alguns períodos de 2019 e quase todo o 2020? E as chuvas exageradas pode favorecer o surgimento de pragas e doenças? O que fazer quando isto acontece?
O Site ABAM convidou dois pesquisadores, Saulo Alves de Oliveira, especialista em fitopatologia, e Rudiney Ringenberg, doutor em entomologia, para responder estas perguntas. Ambos são da Embrapa Mandioca e Fruticultura. Saulo está lotado na sede, em Cruz das Almas (BA), e Rudiney na Unidade Avança de Londrina (PR). Vejam o que eles dizem.
Sobre o clima seco favorecer o surgimento de doenças nas lavouras de mandioca:

Saulo – Sim. Apesar de a seca ser o principal problema em períodos de estiagem, uma vez que pode levar à morte das plantas, principalmente das variedades menos tolerantes à estresses hídricos, algumas doenças podem ser favorecidas pela baixa umidade, como é o caso do oídio (Oidium manihotis). Esta doença é caracterizada pela presença de manchas branco-acizentadas com aspecto pulverulento (semelhante a um talco) na superfície das folhas e lesões amarelecidas no lado oposto a estas manchas brancas.
Além disso, as plantas podem sofrer com o ataque de patógenos causadores de podridões de raízes e de murchas vasculares, apesar de mais comum em períodos com maior, como é o caso das podridões secas causadas por espécies de Fusarium.
O que o produtor pode fazer na estiagem para prevenir:
Saulo – Geralmente não há necessidade de controle oídio doença, pois esta doença apresenta um potencial de dano relativamente baixo. Entretanto, em casos mais extremos, existe a possibilidade de manejo dessa doença com o uso de fungicidas específicos, uma vez que já existem produtos registrados para esta finalidade.
No caso das podridões, estas devem ser manejadas com uma série de estratégias, que vai desde a seleção do material de plantio, que tem que ser livre de doenças, rotação de cultura, correção do solo e adubação adequada. Lembrando que é mais comum que esta doença ocorra em períodos chuvosos, uma vez que estas estão comumente associadas à solos com dificuldade de drenagem ou sujeitos a encharcamento.
Doenças que podem surgir com o excesso de chuvas:
Saulo – Além das podridões mole, seca e negra das raízes, o excesso de umidade pode favorecer à outras doenças com elevado potencial de dano, como é o caso da antracnose e bacteriose. Os principais sintomas associados à estas duas doenças de parte aérea são lesões necróticas nas folhas e nas hastes (ramas) das plantas, com a presença de manchas escuras e podridões no caule. No caso da bacteriose, além da podridão na haste é possível visualizar a presença de “exsudação de goma”, ou seja uma espécie de pus bacteriano é formado no caule da planta. Enquanto a antracnose é mais caracterizada pela necrose nas hastes, só que essas apresentam um aprofundamento (depressão) na região central da lesão, e este local tende a apresentar uma coloração róseo-alaranjada, e é ali que serão produzidas as estruturas do patógeno.
“Remédio” para as doenças:
Saulo – O principal “remédio” para todas as doenças de plantas é a combinação “variedade resistente e material de plantio sadio”, uma vez que grande parte dessas doenças podem se estabelecer em uma nova área, ou mesmo ocupar grandes áreas, devido à utilização de manivas infectadas. Da mesma forma, o uso de variedades com algum nível de resistência permite manter a doença em níveis “aceitáveis” no campo, e com produtividade satisfatória.
No caso específico da bacteriose, não existe nenhum produto químico ou biológico aprovado, sendo o mais correto o manejo preventivo com as estratégias citadas anteriormente. Adicionalmente, em áreas pequenas ou parcelas destinadas a multiplicação de manivas-semente, pode-se realizar a poda parcial das partes afetas (ex. galhos, ponteiros), seguido de eliminação destes. Isso ajuda a reduzir o potencial de espalhamento da doença.
Já para a antracnose, além das medidas gerais de controle e à sugerida para bacteriose, pode-se lançar mão de produtos químicos específicos para o controle do fungo causador da doença, uma vez que para esta doença também existem produtos aprovados.
Sobre a queda de produtividade provocada pela seca pu excesso de chuvas:

Rudiney – Assim como dito anteriormente, tanto a seca quanto o excesso de umidade (chuvas) podem favorecer o surgimento de pragas e doenças. Entretanto, dizer com precisão o percentual de perdas é uma tarefa extremamente difícil, uma vez que depende do genótipo utilizado, se este tem resistência ou não a alguma das pragas ou das doenças; e da sua interação com o ambiente, e isso inclui o tipo de solo, as condições de plantio, práticas culturais adotadas e a nutrição das plantas.
No caso da seca, as plantas menos tolerantes ao déficit hídrico podem reduzir de forma considerável a produção de raízes, e em condições muito severas, podem chegar à morte. Já o excesso de água, apesar de poder ocasionar uma eventual morte de plantas ou uma redução do conteúdo de amido das raízes, o principal problema ainda está associado ao aumento considerável das podridões radiculares.
Os extremos climáticos e suas consequências:
Saulo – Dentre as diferentes doenças, aquelas com maior potencial de danos são as podridões radiculares. Falo em podridões pois existem diferentes tipos de sintomas que são induzidos pelos patógenos, e podemos separar em pelo menos três: secas, moles e negras. As podridões secas geralmente são causadas por patógenos do gênero Fusarium (ex. F, solani e F. oxysporum), enquanto as podridões moles por Phytophthora spp. e as negras por diferentes espécies de Lasiodiplodia e Neoscytalidium.
As podridões apresentam os maiores potenciais para derrubar a produtividade, tanto por afetar diretamente o produto comercial (raízes tuberosas), quando pela redução significativa da qualidade e do potencial de germinação das hastes das plantas afetadas.
Rudiney – No caso das pragas, qualquer praga tem potencial de redução de produtividade. Entretanto não existem trabalhos específicos que quantificaram estas perdas. Infelizmente é difícil a quantificação das perdas causadas por pragas devido à grande interação entre os genótipos de mandioca e o ambiente (clima, solo… etc.), uma vez que cada cultivar pode responder de forma diferente à estas pragas. Sabe-se que o ataque de pragas, quando muito severo, podem gerar prejuízos consideráveis tanto na produção total das raízes tuberosas, quanto do percentual de amido destas raízes. Além disso o potencial de perdas está associado à fase de desenvolvimento em que a planta sofreu o ataque.
Doença mais comum provocada pelas condições climáticas:
Saulo – Todas as doenças citadas anteriormente ocorrem de forma recorrente em todos os anos no Centro Sul do Brasil, sendo que é a intensidade (severidade) dessas doenças é que vão variar em função das condições climáticas apresentadas.
Pragas que surgem com as condições climáticas:
Rudiney – Logo após a implantação da cultura podem ocorrer ataque de cochonilhas de raiz, logo após o desenvolvimento das plântulas. Com o desenvolvimento da lavoura, entre 90-100 dias pode aparecer percevejo de renda nas folhas mais velhas. Normalmente isso ocorre entre janeiro e fevereiro, mas pode se estender até o mês de abril. A partir de junho passa ser mais comum a ocorrência de cochonilhas de parte aérea, o que pode se intensificar nos períodos após a poda da parte aérea, principalmente se logo após a poda ocorre um período de estiagem.
Outras pragas que podem ocorrer em períodos mais secos são os tripes e os ácaros. No caso dos tripes, estes são comuns no Centro-Sul do Brasil, e normalmente ocorrem nos meses de janeiro até março.
A principal estratégia de prevenção é a utilização de plantas sadias, ou seja, sem a presença de ataque de pragas. Uma vez que os períodos secos podem favorecer às cochonilhas de parte aérea, o ideal é que o produtor não utilize manivas com a presença de cochonilhas, ou seja, realizar a seleção de ramas de áreas que de preferência não tenham sido atacadas pela praga, garantindo assim que não dispersará a cochonilha para os novos plantios.
Em relação ao percevejo de renda, um dos principais problemas associado ao aumento dos danos está o uso inadequado de inseticidas de amplo espectro. Na prática o que tem acontecido é que na tentativa de se manejar o mandarová na cultura da mandioca, há um desequilíbrio de insetos benéficos, o que favorece ao aumento de outras pragas, como é caso do percevejo de renda (em um clima mais seco) e da mosca branca (em um clima mais úmida).
Uma outra estratégia é a de evitar a poda em períodos de estiagem, adiando para um período mais úmido. Geralmente as chuvas começam a retornar no final do mês de agosto e início de setembro, o que ajuda a reduzir a incidência das cochonilhas.