Apesar de ser conhecida como importante cultura alimentar há vários séculos, a mandioca ainda é “um universo a ser descoberto”, o que traz grandes e apaixonantes desafios para quem se dedica a ela. Mesmo sendo vista com muito preconceito e indiferença por grande parte da sociedade, ela persiste em ter um importantíssimo papel na segurança alimentar, renda às famílias de agricultores e fundamental para a obtenção de inúmeros produtos processados, presentes no nosso consumo diário, muitos dos quais desconhecidos pela sociedade.
Neste momento, o que se constata é que a renda da atividade, principalmente para os agricultores, está muito ameaçada. As dificuldades são várias, desde o acesso a terras de boa fertilidade, custos altos, mão de obra escassa, falta de alternativas de mecanização para a colheita, aumento da ocorrência de danos provocados por insetos pragas, preços não remuneradores, entre outros.
Atualmente, para quem vive o dia a dia da produção, muitas questões têm surgido. Os agricultores diariamente apontam muitas dúvidas a respeito de como melhor manejar a cultura pois, em geral, a produtividade tem decaído e ficado abaixo do desejado, e isso interfere na competitividade de toda a cadeia produtiva. Dessa maneira, pode se considerar importante apresentar contribuições técnicas para auxiliar a tomada de decisões por parte dos atores da cadeia produtiva da mandioca. Assim, a proposta é trazer informações e conhecimentos sobre os temas mais importantes, pelo ponto de vista de profissionais especializados. Na primeira parte, serão apresentadas contribuições acerca de variedades, cuidados com o material propagativo e plantio.
Variedades:
A variedade de mandioca é notadamente a mais importante tecnologia para a cultura. É nela que estão incorporadas características fundamentais para o bom resultado: ciclo, tolerância a insetos pragas e doenças, adaptação local, produtividade, porte, vigor, teor de amido (também em função da época de colheita), boa conformação de raízes, menores perdas de colheita, aproveitamento e qualidade industrial, entre outras características. Com tantos fatores a ajustar, é quase impossível chegar à variedade (ou cultivar) ideal. Contudo, as instituições públicas de pesquisa e desenvolvimento têm conseguido entregar boas opções à cadeia produtiva. Exemplos dessas entregas são as novas cultivares recentemente disponibilizadas pela Embrapa para mesa (BRS 396, BRS 399, BRS 429) e indústria (BRS CS01 e BRS 420). Também estão em fase de registro mais duas candidatas (para indústria, propostas como BRS Ocauçú e BRS Boitatá). Outras importantes instituições, como o IDR-Iapar e o IAC também têm entregue novas opções de variedades para uso por parte dos produtores.
Para a correta escolha da variedade a utilizar, é importante o prévio conhecimento das características da mesma, como também do solo onde será feito o plantio. Partindo-se da realização da análise do solo, e a par das informações e recomendações das variedades, contidas nas publicações (folders, artigos), palestras, dias de campo, informações pessoais dos pesquisadores, já se tem um bom começo para a obtenção do sucesso na lavoura. É importante ressaltar que a soma e análise das informações pode se constituir em precioso conhecimento.
Cuidados com as ramas:
Como já ressaltado, não só a variedade é suficiente para aumentar a produtividade. Práticas de manejo importantes, principalmente associadas aos cuidados com as ramas, são fundamentais para permitir o melhor comportamento possível da variedade. Primeiramente, as áreas de produção de ramas para plantio devem ser escolhidas e conduzidas de forma a se obter ramas vigorosas e, de preferência, livres de doenças como viroses e insetos pragas, o que é um excelente ponto de partida para a formação de uma boa lavoura. A partir daí, os cuidados com o manuseio nas operações de retirada, armazenamento, transporte, seleção e plantio são suficientes para garantir o estande apropriado da forma mais rápida possível.
As viroses, destacando-se o mosaico comum, são hoje causadoras de perdas importantes de produtividade, porém pouco percebidas pelos agricultores. Estudos apontam que praticamente todas as lavouras hoje estão infectadas pelos vírus, e as perdas causadas por esses patógenos podem superar os 30%. Estudos mais recentes indicam perdas importantes também nos teores de amido das raízes. Para evitar essas perdas, o desejável é ter uma rama original livre de vírus, e também manter cuidados de limpeza de facões e mecanismos de corte das plantadoras. A realização dessa limpeza com regularidade, usando uma solução de água, detergente e hipoclorito de sódio (Qboa ou similar) ajuda a reduzir a velocidade de transmissão. Ainda deve-se ressaltar a entrada de outras doenças com alto potencial de dano, transmitidas por ramas, como o couro-de-sapo. Essa doença tem apresentado aumento em ocorrência no Centro-Sul, e danos crescentes.
Segundo o pesquisador Rudiney Ringenberg (Embrapa Mandioca e Fruticultura), ataques de insetos praga na área destinada à produção de ramas, principalmente mosca branca, cochonilha de parte aérea, percevejo de renda e mandarová afetam consideravelmente a capacidade fotossintética da planta e, por consequência, diminuem o vigor das ramas prejudicando a formação do novo mandiocal. Ainda neste sentido, ramas provenientes de áreas com presença de broca-da-haste influenciam diretamente no estande (número de plantas por hectare) após o plantio, pois a maniva atacada pela broca não terá brotação da gema e/ou se brotar, a planta não se estabelecerá, porque o dano provocado pela broca destruiu internamente a maniva. Outro ponto importante a ser considerado é que a rama pode ser disseminadora de insetos pragas, principalmente broca-da-haste, cochonilhas (da parte aérea e solo) e ácaros, levando essas pragas para o novo mandiocal a ser implantado.
Além do necessário cuidado com a sanidade das ramas por parte dos produtores, as instituições mantenedoras das variedades devem ser responsáveis por propiciar reposições periódicas de material propagativo básico, com alta qualidade genética e fitossanitária. A manutenção de campos de produção de ramas básicas, com cuidados rígidos com as boas práticas de produção, a meu ver, é fundamental para reabastecer o mercado com material propagativo de alta qualidade e permitir vida mais longa às variedades superiores e também a manutenção do bom padrão das lavouras dos produtores.
O armazenamento das ramas é normalmente feito a campo, próximo à área onde será feito o novo plantio. É uma etapa crítica, onde é normal a baixa ocorrência de precipitações pluviométricas, que causam prolongamento do período de armazenamento para mais de sessenta dias. Para minimizar as perdas de qualidade, a melhor estratégia seria manter as bases dos feixes de ramas enterradas, com irrigações periódicas, de forma a manter a hidratação das ramas. Também o ambiente à sombra seria mais recomendável. Segundo vários trabalhos, a desidratação das ramas é a principal causa de perda de qualidade, onde o nível crítico seria em torno de 60% de água. Em se considerando um uso de cerca de 4 metros cúbicos de ramas por hectare para o plantio, para uma lavoura de 50 hectares seria necessário armazenar pelo menos 200 metros cúbicos de ramas nessas condições, o que torna essa prática de difícil execução.
Em ambientes abertos, com as ramas amontoadas na posição horizontal, em condições características de invernos com temperaturas amenas e baixa umidade relativa média do ar, o período de até 30 dias de armazenamento é adequado, com perdas aceitáveis de vigor das ramas. Da mesma forma que se recomenda no caso de sementes, fazer regularmente amostragem das ramas e um teste de brotação em solo ou areia é recomendável.
Plantio:
Após o armazenamento e antes do plantio, a seleção de ramas e retirada de pontas secas é fundamental para a qualidade na implantação de uma lavoura de mandioca. Nos dias atuais, é muito comum constatar-se falhas entre 10 e 25% de estande nas lavouras. Considerando-se uma produção por planta de 2 kg, e um espaçamento de 0,9 x 0,7 m (15.873 plantas/ha), uma lavoura com 15% de falhas estaria perdendo cerca de 4,76 toneladas por hectare. Considerando-se o preço de R$ 450,00 por tonelada, essa perda custaria R$ 2.142,00, o que cobriria certamente custos importantes, como a adubação e/ou o controle inicial do mato. A fim de compensar essas perdas, muitos agricultores preferem ajustar espaçamentos mais próximos, entre 0,5 e 0,6 m entre plantas.
A população de plantas da mandioca, resultante da escolha do espaçamento (entre linhas x entre plantas), pode interferir no comportamento produtivo da cultura. Essa escolha deve levar em conta principalmente as características da variedade e a fertilidade do solo. No tocante à variedade, deve-se conhecer, a priori, as características de porte (ereto, engalhado, alto, baixo) e vigor inicial das plantas. No caso das novas variedades para indústria, lançadas pela Embrapa para o Centro-Sul do Brasil, estas contam com porte ereto, com engalhamento a partir de 1,0 – 1,20 m do solo e crescimento inicial vigoroso, com boa cobertura do solo. Em experimentos conduzidos recentemente no oeste do Paraná, com seis diferentes variedades, verificou-se que o espaçamento entre plantas ideal (mantendo-se 0,90 m entre fileiras) seria em torno de 0,80 m, e que distâncias menores que 0,60 m reduziriam a produtividade. No caso de solos arenosos, menos férteis, a experiência tem mostrado que espaçamentos entre 0,70 e 0,75 m entre plantas são adequados para essas variedades. Transformando-se em população, resultaria em torno de 15 mil plantas por hectare, equivalendo a 36,3 mil plantas por alqueire.
No caso das variedades de mesa, o espaçamento tem que levar em consideração também outros fatores relevantes, como o padrão comercial de raízes, ou seja, dimensões adequadas para as exigências do mercado. Normalmente, espaçamentos mais abertos favorecem ao maior aproveitamento de raízes comerciais. Em nossa experiência, temos verificado que arranjos espaciais com distâncias entre linhas e entre plantas entre 0,8 e 1 m são os mais adequados. Por exemplo, pode-se utilizar arranjos de 0,8 x 0,8 m, 0,9 x 0,8 m, até 1,0 x 1,0 m.
Outro componente fundamental para o sucesso na implantação de uma lavoura de mandioca é o conjunto trator-plantadora. O bom ajuste no plantio requer cuidados com deposição, acomodação e cobertura das manivas. Além da boa manutenção, ajustes nas plantadoras, como colocação de haste sulcadora, reforço de tração e articulação das rodas podem contribuir fortemente para o aumento da qualidade do plantio.
Em se considerando que o componente humano é essencial nessa operação, pois os “canequeiros” são responsáveis pelo abastecimento do sistema de plantio, a velocidade do conjunto tende a interferir na qualidade da operação, principalmente após várias horas de trabalho. Velocidades entre 3 e 5 km/h (dependendo do terreno, comprimento da rama, entre outros) são adequadas; se superiores a 5 km/h, há interferência na uniformidade de plantio, principalmente relacionada à profundidade e qualidade de cobertura das manivas. A profundidade entre 5 e 10 cm é considerada adequada para a colocação das manivas.
O tamanho da maniva é, comprovadamente, fator importante para definir boa produtividade nas lavouras. Embora haja estudos que visem o uso de micromanivas, ainda não se dispõe de tecnologias sustentáveis para esse fim. Portanto, além de se tomar cuidados para usar manivas maduras com diâmetro acima de 2 cm, o comprimento de 18 cm ou superior permite garantir, além de maior segurança de brotação e enraizamento, plantas mais vigorosas, fechamento mais rápido da lavoura, menor matocompetição e maiores produtividades.
Concluindo, é preferível apostar na qualidade do plantio e ter uma população de plantas adequada e vigorosa, do que aumentar a densidade de plantio para compensar falhas.
Plantio convencional ou direto?
Essa é uma pergunta interessante. Num passado até recente, muitos produtores e técnicos não hesitavam em responder que o plantio direto não apresentava viabilidade. Hoje, algumas coisas mudaram e o plantio direto parece estar ganhando adeptos. Logicamente, uma tecnologia como essa ainda merece ajustes, mas já se tem muitas experiências exitosas com esse sistema de cultivo.
O plantio convencional, do ponto de vista de exigência de condições físicas do solo para o bom crescimento das raízes, entrega um bom ambiente. Entretanto, é usual que se realizem entre quatro e seis operações de preparo do solo, entre gradagens, arações, escarificações. Essa forma de preparo desestrutura o solo e gera consideráveis custos com combustíveis, desgaste e manutenção de máquinas e implementos. Além disso, requer um certo tempo para que seja realizado, tempo esse que depende de condições de solo e clima. Para o plantio propriamente dito, a manutenção da água no solo é mais dificultada. Mesmo com a ocorrência de chuvas durante o período de plantio, as perdas de água por escorrimento e posteriormente evaporação são maiores, o que proporciona uma janela de plantio (período de plantio com condições ideais de umidade do solo) relativamente curta.
O plantio direto, ou seja, aquele feito diretamente sobre a palhada da cultura anterior dessecada, exige alguns cuidados prévios. Também exige variedades e equipamentos adaptados, para que se possa alcançar bons resultados nesse novo tipo de ambiente. Uma vez obedecidos os requisitos prévios e realizado o manejo adequado, o plantio direto oferece vantagens, permitindo maior conservação do solo, , das máquinas e dos implementos, maior janela de plantio (até 30 dias a mais), menor perda de água, maior resiliência da cultura, e produtividades iguais ou superiores ao convencional, entre outros aspectos positivos.
Do ponto de vista da conservação do solo, a perda da camada superficial do solo por erosão é o maior problema. Estudos realizados por vários anos permitiram a constatação que o uso do plantio direto pode mitigar 90% dessas perdas.
Para quem tem interesse em conhecer e ou adotar o plantio direto, recomendamos a leitura da cartilha publicada e, caso considerado viável, iniciar com uma pequena área para dominar o manejo. A cartilha está disponível online no endereço: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/186376/1/cartinha-plantiodireto-Rangel-2018-Ainfo.pdf