Entusiasta do setor, nesta segunda parte da entrevista especial, o fundador e primeiro presidente da ABAM, Maurício Yamakawa, fala um pouco mais sobre a história da entidade, relata como foi a disputa de mercado com o amido de milho, porque ele avançou mais que o da mandioca e quais devem ser as prioridades da cadeia produtiva da mandioca. O ex-presidente está há mais de 35 anos atuando no setor e mesmo depois que deixou a Estrela Rural, a empresa com a qual foi sócio da Indemil, lá no final dos anos 80, ele continuou plantando mandioca “por um bom período, ora de sócio com alguém, ora sozinho”. Interrompeu a atividade no campo porque “as indústrias cresceram muito a moagem. Para se ter uma ideia, a indústria de Amaporã, que foi a primeira que montamos, moía 150 toneladas por dia e hoje moi 600. Então cresceu muito. Lá em Nova Andradina, moía 200 e passou para 400 toneladas/dia”, justifica ele, ao explicar porque deixou a lavoura.
Reforça que com o crescimento das duas plantas industriais “ficou bastante complicado manter estrutura administrativa para a lavoura e para as indústrias e, estrategicamente, ficou complicado porque o produtor nos enxergava como um concorrente e falava o seguinte: ‘quando a mandioca está barata você compra a nossa, dos produtores terceirizados; quando a mandioca está cara, você moi a sua. Então a sua indústria não é muito interessante para a gente trabalhar como parceiro’. Ouvi isso uma vez de um produtor – ele foi muito sincero – e fiquei pensando nisso vários dias e foi quando decidi deixar de plantar mandioca e ficar especializado na indústria e fazer parceria. Foi muito bom, pois o relacionamento com os produtores melhorou muito a partir daí”.
Leia agora a segunda parte da entrevista com Maurício Yamakawa alusiva ao 29º aniversário da ABAM.
“Acho que faz uns dez anos que o setor está capengando,
pois não aumenta a produção de amido de mandioca”
Quais foram as razões para a criação da ABAM? Quem participou deste processo? Por que começou já como uma entidade nacional?
Começou como uma entidade nacional justamente porque as fábricas eram localizadas em Santa Catarina e Paraná, tinha uma em Sergipe, outra no Espírito Santo e outras mais esparsas. Chegou-se à conclusão de que o grupo era realmente nacional. Se a gente fundasse um sindicato estadual, não conseguiríamos congregar todo mundo. E a gente congregava gente de todo o Brasil.
(Nas reuniões me Curitiba, primeira sede da ABAM) Daqui de Paranavaí ia eu, meu irmão Alcides e o Ivo Pierin. Sempre íamos juntos. Mas tinha outros feculeiros que também iam: o Sérgio, que era da Fecamid, de Cidade Gaúcha, mas que já mudou, depois veio o Fadel, lá de Cândido Mota e trazia o Zé Roberto e assim foi crescendo o movimento. E o pessoal da Indemil também participava sempre.
Na época que foi fundada a ABAM acho que a maioria era de Santa Catarina e depois veio crescendo o número de paranaenses, juntou um grupo de Marechal Cândido Rondon. À medida que crescia a porção paranaense diminuía a porção catarinense. Foi na época que cresceu muito a produção de fécula de mandioca, talvez até os anos 2000, quando começou a estabilizar. Acho que faz uns dez anos que o setor está capengando, pois não aumenta a produção de amido de mandioca, está estabilizado, estagnado. Mas nós saímos lá, tipo, 200 mil toneladas para 700 mil toneladas na época. Foram 15 anos de crescimento muito forte. E depois parou de crescer. Teve anos que até reduziu a produção. Acho que hoje não estamos alcançando a produção de 700 mil toneladas.
Para se ter uma ideia, lá na Tailândia, onde já disseminou a produção (pelo continente asiático) e hoje tem produção na China, no Vietnã, na Indonésia, no Camboja, vários países lá tem produção. E vários deles já estão produzindo mais fécula que o Brasil. Mas a Tailândia é o grande produtor. Não vou saber dizer o número atual, mas o ano passado, se não me engano, eles produziram acima de quatro milhões de toneladas de fécula. Veja bem: nós não estamos nem nas 700 mil toneladas, estamos longe de um milhão de toneladas ainda. Então eles produzem cinco vezes mais que o Brasil. E pensar que a rama de mandioca que foi plantada lá foi levada pelos portugueses, lá pelos anos 1.700/1.800, do Brasil para a Ásia, assim como levaram as mudas de seringueiras e hoje a Malásia domina o mercado internacional de borracha.
O setor de amido até então era dominada pelo milho. Foi a ABAM que conseguiu mostrar as vantagens do amido de mandioca em relação ao de milho e arroz? Quais eram as vantagens e elas persistem até hoje?
Existem três mercados: o mercado só da mandioca, onde o consumidor quer o polvilho doce, ele não quer o amido de milho, que é a Maizena, o produto mais conhecido do amido de milho; existe o mercado que é só milho; e existe o mercado que os dois disputam, pois pode o industrial, o consumidor final usar um ou outro. O milho é formado por três grandes players, que é a Cargil, a Ingredion e a Tereus. E hoje tem a Indemil que entra aí como uma quarta empresa que produz em grande quantidade. Fora isso, tem outras indústrias menores que também fabricam amidos de milho e outros derivados. Tem até fecularias que foram adaptadas para produzir amido de milho em alternativa a mandioca, chamadas de fecularias flex, que produz com mandioca, mas quando está ruim com mandioca (alto preço, principalmente), produz com o milho.
A ABAM brigou muito com o amido de milho, mas nesse sentido: ocupar o espaço que era da mandioca e disputar um percentual com o milho. Até meados dos anos 2000, a gente disputava bem o mercado, porque tínhamos em alguns momentos custos bem competitivos. Mas o milho, dos anos 90 para cá, vem crescendo enormemente em competitividade, haja visto a indústria do álcool do milho nos Estados Unidos.
Então o milho no Brasil também, que se produzia ali uma quantidade muito menor que hoje, explodiu em produtividade e produção. O milho é uma comodity, que produz hoje próximo a soja.
A quantidade de milho que tem disponível hoje no mercado principal não é o amido, é o mercado de rações, de alimentação animal e humana também. O amido é um percentual pequeno da sua produção. E como existia este aumento de oferta tão grande, o amido de milho realmente teve oportunidade e competitividade para crescer muito mais que o da mandioca.
A mandioca, por mais que haja investimentos na pesquisa, são muitos tímidos comparando com culturas grandes como a soja, milho, café. Por exemplo, produtividade: a quantidade que colhemos hoje no Paraná é a mesma de 30 anos atrás, 20 toneladas por hectare, entre lavoura de um ciclo e dois ciclos e continua até hoje, por mais que tenha tido lançamento de variedades, por mais que tenha tido mecanização, por mais que tenha tido hoje adubação e o uso de herbicida etc, a cultura da mandioca não conseguiu ter aumento significativo na produtividade da sua lavoura. Então o setor do amido de milho, que era dominado pelo milho, continua até hoje sendo dominado pelo milho.
A ABAM conseguiu sim mostrar algumas vantagens e teve um aumento de consumo em alguns nichos de mercado. Por exemplo, pão de queijo, tapioca e os embutidos de carne. São três mercados que o amido de mandioca realmente domina, alguns modificados pré-gelatinizados, que realmente precisam ser de mandioca, pois tem vantagens muito grandes, mesmo com custos bem maiores.
É aquilo que falei: o preço médio do amido de mandioca é mais que o dobro do amido de milho nos últimos anos. E nós temos que vender este produto com o dobro do preço, tendo que ter alguma vantagem a oferecer.
A indústria de carne, os embutidos, eles fazem todo o esforço, tem até alguns modificados de milho que eles estão usando e por que? Porque o da mandioca é mais que o dobro do preço na média, em alguns momentos chega a estar próximo.
Hoje mesmo, o preço caiu bastante, mas ainda estamos acima do milho, mas está bem próximo. Um ano atrás, o preço do quilo do amido de mandioca chegou a três reais e o amido de milho estava abaixo de um real. Enfim, hoje temos vantagens, crescemos em alguns nichos, mas perdemos na maioria deles. Então o volume nosso que hoje é comercializado vai para mercados muito mais específicos, apesar de ter tido este crescimento, a gente ainda, vamos dizer, como comodities, ainda perdemos muito mercado.
“As variedades transgênicas são um grande ponto de interrogação.
porque o setor leva alguma vantagem neste mercado saudável”.
Para o setor de amido de mandioca avançar, outros amidos tiveram que recuar. Em quais setores o amido de mandioca avançou mais significativamente e permanece até hoje?
O amido de mandioca avançou em alguns nichos, mas perdeu muito como comodities. Por exemplo, grandes indústrias têxteis e de papel consumiam amido de mandioca e até o preferiam por ser mais branco, dava uma elasticidade melhor entre as vantagens, mas nos últimos anos o amido de mandioca praticamente ficou ausentes destes dois setores gigantes. Mas a mandioca avançou em segmentos específicos da área de alimentação, como é o caso de pão de queijo – temos exemplos de empresas em Paranavaí e na região, que produzem muitos mix para pão de queijo, que cresceram muito e avançaram bastante neste setor; o setor da tapioca – temos orgulho de dizer: meu filho detém a patente do processo de produção do amido de mandioca como massa para a tapioca – e esse setor cresceu bastante. Hoje, centenas de empresas fabricam este produto. Achamos que tem espaço para crescer mais.
Porém em outros setores, perdemos muito volume. Então os outros amidos não recuaram não, eles avançaram. Inclusive um mercado bastante interessante é o de glúten free (alimentos sem glúten). O glúten é uma proteína contida no trigo e outros cereais de inverno, que muitas pessoas têm alergia mais ou menos grave, algumas não toleram de jeito nenhum o derivado do trigo. E o amido da mandioca avançou neste setor também, mas quem avançou bastante foi o amido do arroz, que é bastante utilizado como substituto do trigo também nas massas panificáveis, como o amido de mandioca e o de batata, que é praticamente todo importado da Europa. Então o setor tem muito a desenvolver, tem que investir muito em pesquisa, tanto na área agrícola como na área industrial.
Nesta briga de mercado com o amido de milho, o de mandioca teve que recuar em alguns momentos e perdeu espaço. Há pelo menos duas razões para isso: o setor de milho avançou com novas tecnologias e na pesquisa de sementes de maior produtividade, mais resistentes e adaptados as regiões produtoras (reduzindo o custo de produção); e tem um mercado mais estável, enquanto a mandioca tem oscilações de preços gigantescos. É possível resolver estes dois problemas? Como?
Acho que é possível parcialmente, totalmente não. Porque um produto, o milho, cujo mercado principal é a alimentação animal e tem um custo unitário cada dia mais baixo, porque a cada ano produz um saco, dez sacos a mais por hectare e novas variedades, inclusive hoje as transgênicas, fruto de engenharia genética e a mandioca é o dinossauro dos vegetais.
A mandioca que era cultivada no Brasil pelos índios em 1.500 é a mesma que cultivamos hoje. Tem variedades híbridas, de cruzamento – semente de mandioca ninguém vê, né? (risos). Algumas variedades até produzem semente, mas é a coisa mais difícil ver. Mas existem pesquisadores trabalhando nisso. Mas nós não temos a engenharia genética na mandioca. Não tem. Nós não reproduzimos por semente, reproduzimos por talo, por rama. Então é uma cultura mais arcaica, é uma cultura diferenciada e tem custos maiores e tem mais dificuldades na sua mecanização.
Até hoje a colheita da mandioca não é mecanizada 100%. Mecanizou, talvez, 50%, que são os afofadores, os arrancadores. Mas arrancadora automatizada mesmo na verdade ainda não é efetiva. É muito manual o processo. Então nós não temos, a curto prazo, perspectiva de mecanização total para a lavoura e na questão da produtividade, com novas variedades, variedades transgênicas, no que é um grande ponto de interrogação, porque o setor leva alguma vantagem neste mercado saudável em relação aos alimentos transgênicos do milho, da soja, que tem um ponto de interrogação: será que a longo prazo vai fazer algum mal para a saúde, por ser transgênico, por estar absorvendo herbicida e guardando nas suas moléculas etc?
Na mandioca nós não temos isso, porque não temos variedades transgênicas – na verdade, ainda estamos longe disso. Mas o dia que tiver mandioca transgênica nós perdemos esse pretexto para o consumidor que quer consumir um produto livre de transgênico. Esse consumidor também existe. Então, a mandioca fica neste ponto de interrogação: será que nós vamos para este nível tecnológico ou não? Também o fato de nós sermos uma cultura muito manual, ainda sem possibilidade de mecanização total, faz com que as multinacionais que lidam com a engenharia genética não tenham tanto interesse na nossa cultura em desenvolver variedades transgênicas de mandioca.
Então, vejo o seguinte: para ter competitividade com eles (produtores de milho) nós temos que agregar valor no nosso produto nas suas vantagens intrínsecas, nas vantagens que ele tem pela sua viscosidade, pelo seu ponto e pelo seu tipo de gelatinização, pelo amido resistente que temos quando cru e vários pontos que a gente pode ir explorando no setor, não só do amido de mandioca, mas de todos os amidos, mas todos os derivados de mandioca.
Nestes 29 anos, a produção de amido de mandioca cresceu bastante. Quais mercados foram abertos desde então?
Na verdade, este crescimento aconteceu na metade deste período, de 200 para 700 mil toneladas. Depois disso parou e até caiu um pouco a produção. Não sei se este ano vamos atingir as 700 mil toneladas, que era a produção de 15 anos atrás.
Os mercados que foram abertos, já citei, são nichos de mercados que foram abertos. Na verdade, nós abrimos uns mercados e fechamos outros. Perdemos muito em volume do mercado de papel, têxtil e mineração e ganhamos um pouco de mercado em setores específicos do amido de mandioca, o polvilho, como biscoito de polvilho azedo, pão de queijo, tapioca, embutidos de carne são mercados que cresceram bastante.