Nesta terceira e última parte da entrevista alusiva ao 29º aniversário da ABAM, o primeiro presidente da entidade, Maurício Yamakawa. conta como foi a luta para tentar adicionar o amido de mandioca à farinha de trigo e o “estrago” que provocou no setor, que chegou a reduzir em 40% as importações da Argentina e lhe custou uma interpelação judicial. Também fala da fundação da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva das Mandioca e Derivados, um órgão consultivo do Ministério da Agricultura, que considera uma grande conquista para o setor. Yamakawa ainda faz nesta entrevista uma análise da Associação nos dias de hoje.
Yamakawa divide estes quase 30 anos de ABAM em dois períodos. No primeiro houve um crescimento substancial da produção e no segundo a agregação de valor ao produto. Para ele, a entidade cumpriu com a função para a qual foi criada e agora tem que dar um novo salto.
Abaixo a última parte da entrevista com Maurício Yamakawa.
Por que que, apesar de toda a mobilização, o setor nunca conseguiu aprovar a adição do amido de mandioca à farinha de trigo para panificação?
Isso foi uma ideia de um ultranacionalista que até ficou famoso porque foi Ministro da Defesa Nacional, e era deputado pelo PC do B, que é o Aldo Rebelo. Por ser um ultranacionalista, queria que o Brasil parasse de importar farinha de trigo. E pudemos, ao participar deste debate, descobrir que realmente o Brasil consome muito trigo por um desarranjo internacional que vem desde a época do Reino – a Farinha do Reino, a farinha de trigo era a farinha nobre na época. Até lembravam da época de Jesus: “o pão nosso de cada dia”, que era o trigo).
Então o trigo veio para o Brasil e o Brasil, por ser um país tropical, não conseguia produzir, porque o trigo é originalmente produzido em regiões frias. Nas regiões tropicais não se produzia trigo. Hoje já se produz alguma coisa, mas não se consegue a mesma produtividade.
“O setor do trigo é muito
organizado”
Bem, o Brasil começou a consumir o trigo, que foi subsidiado por algum tempo, porque, para o Brasil consumir o pão nosso de cada dia, o governo bancava uma parte e “dava” para os moinhos. Por exemplo: comprava por R$ 100,00 e vendia para os moinhos de trigo por R$ 10,00. O moinho fabricava a farinha e vendia no mercado com preço subsidiado.
Ao ver essa história, o Aldo Rebelo disse: ‘nós temos a mandioca que pode substituir o trigo, se não total, ao menos parcialmente. Vamos obrigar estas indústrias que foram subsidiadas tantos anos pelo governo a adicionar no trigo um derivado da mandioca que é genuinamente brasileiro’.
No início, logo que vi isso, pensei: ‘ah isso vai contra as leis de mercado liberal’ – eu sempre fui politicamente um liberal. ‘Vou obrigar o cara a comer amido de mandioca e no trigo ainda?’. Depois, fui ouvir a história e, olha, achei muito bacana o raciocínio do Aldo Rebelo ao pensar que um país está sendo subjugado economicamente e sendo obrigado a consumir o trigo que está sobrando em outros países. Por que que eles querem exportar o trigo? Eles subsidiam o produtor dos países deles na Europa, Estados Unidos, Canadá para produzir o trigo para mantê-lo no campo, porque se ele vir para a cidade vai causar um problema social, que é o êxodo rural. Então ‘eu pago para você produzir’, assim como existe o subsídio do arroz no Japão, ao leite na Europa, que também paga para o produtor manter a vaquinha de leite. Pagam para o produtor rural não vir para a cidade e causar o problema social. Paga subsídio, sobra produção e aí tem que exportar. ‘Vamos enfiar nestes países (na época chamado) de Terceiro Mundo pra eles consumir. Vendemos barato pra eles, porque já subsidiamos o produtor mesmo’. E vendendo barato pra nós o que eles faziam com a nossa produção agrícola? Impedia nossa produção agrícola de se desenvolver, não só no trigo como em outras culturas concorrentes, que pode ser o arroz, a mandioca, o milho. Depois foi reduzindo drasticamente este subsídio ao trigo, mas até hoje persiste. Foi isso que criou esta discussão aqui no Brasil (da adição do amido de mandioca à farinha de trigo).
Eu participei, fui um guerreiro nessa briga aqui e fiz palestra no Brasil inteiro, na época como presidente da ABAM, presidente da Câmara Setorial (da Cadeia Produtiva de Mandioca e Derivados) e também como produtor. Fui um defensor desta ideia, mas ciente de que é muito difícil a gente conseguir realmente emplacar. Até aprovamos no Congresso a adição, depois foi feita adaptação e disseram que era impossível misturar em todo o trigo, só para algumas situações.
Descobri que o setor de amido de trigo é muito, muito organizado. Tem uma organização muito bem arranjada. São seis grupos empresariais multinacionais que dominam, tem vários moinhos brasileiros, que participam da Abitrigo. Eles têm a Abitrigo, eles têm o Sindipão e tem a rede deste sindicato no Brasil inteiro, a Abima, das massas.
Conheci todas estas entidades por dentro e virei um inimigo deles (risos). Não podiam me ver. Chegaram até a me interpelar judicialmente, alegando que eu dizia nas palestras que eles eram uma máfia do trigo, porque nas palestras eu dizia que havia uma triangulação de importação de trigo no Brasil, através da Argentina. A gente importava da Argentina bilhões de dólares de trigo e na verdade não era produção argentina, a produção vinha de outros países e entrava no Brasil como se argentino fosse. Então tudo isso provocou uma retração nesse movimento do trigo, eles tiveram que parar. Houve um ano que eu fiz este debate forte, de um ano para outro caiu 40% a importação de trigo da Argentina – números que apareciam para nós na época.
Mas, enfim, foi uma boa discussão para a mandioca ficar no cenário, na mídia. Eu falava uma vez por semana na Gazeta Mercantil (na época o mais tradicional jornal voltado exclusivamente para a economia), na Folha de S. Paulo, e falava de mandioca com o trigo. Era um debate: ‘O Maurício falou isso, o presidente da Abitrigo falou aquilo’. Era um debate terrível. Foi uma época em que a mandioca foi realmente notada. Foi bom, por mais que a gente sabia da dificuldade de emplacar esse projeto, como de fato, até hoje não aconteceu.
Você chegou a promover um grande evento em Paranavaí sobre mandioca quando era prefeito. Isto fazia parte da estratégia de atrair os holofotes para a cidade como a maior produtora de mandioca do país para fins industriais? Quais outros objetivos?
Na verdade, promovi vários grandes eventos em Paranavaí da mandioca. Em Londrina foi o congresso da mandioca em 88. Depois, entre 2002 e 2004 realizamos, se não me engano, por três anos seguidos grandes eventos com os produtores de mandioca, com a ABAM. A gente trazia o ministro Roberto Rodrigues – ele veio a Paranavaí umas duas vezes. E em Marechal Cândido Rondon fizemos um evento que tinha dois mil produtores – um evento até maior que o de Paranavaí, Mas em Paranavaí era grande, em Cianorte. Fizemos em várias cidades do Paraná, foram grandiosos, que trouxeram um resultado bastante interessante.
“Fui intimado a assumir a presidência
da Câmara Setorial”
Esse evento que você cita foi o Congresso Brasileiro da Mandioca em Paranavaí, que, à época, era algo impensável, já que o Congresso só era realizado em cidades de elevado potencial turístico. Por exemplo, foi feito em Foz do Iguaçu, Manaus, Salvador, Camboriú e nunca imaginava fazer um congresso desses numa cidade de 80 mil habitantes como a nossa. Nesse evento, inclusive, tivemos que hospedar os palestrantes em Maringá. Usamos hotéis de Paranavaí, enfim, onde tinha hotel na região tivemos que usar, pois não cabia nos hotéis de Paranavaí na época. Foi em 2007 este evento. Foi marcante para mim, pois veio uma comitiva do Japão, cinco pesquisadores da Ilha de Okinawa, que estavam introduzindo a cultura da mandioca no Japão para a produção de bebidas alcoólicas, perfumaria, enfim, química fina. E eles fizeram uma apresentação fantástica na época.
Então foi um evento que marcou época, marcou muito as indústrias de máquina e pesquisadores vieram apresentar suas pesquisas aqui em Paranavaí. Foi realmente um evento fantástico que realizamos.
E a estratégia realmente era essa: atrair os holofotes para o setor, para que o setor pudesse se amadurecer ou encontrar um caminho melhor, porque, em todos estes eventos, a gente fazia, paralelamente o encontro da Câmara Setorial.
Aliás, a Câmara Setorial foi um órgão que fui o fundador junto com os ministros Roberto Rodrigues (Agricultura), Pratini de Morais (que antecedeu Roberto Rodrigues). E depois que fui prefeito (2005-2008), em 2009, fui ‘intimado’ a voltar a assumir a presidência e fiquei mais dois anos na presidência da Câmara Setorial. E o que é a Câmara Setorial? É um órgão consultivo dentro do Ministério – tinha um secretário-executivo dentro a Câmara Setorial, que era uma pessoa de confiança do ministro que participava e, de vez em quando, o ministro ia nessas reuniões para saber o que o setor podia contribuir, o que o ministério podia contribuir com o setor. A gente tinha uma cadeira no Conselho do Ministério da Agricultura e todo ano, no anúncio do volume a ser aportado para a cultura da mandioca, seja para comercialização, para custeio ou para investimento, era discutido dentro da Câmara Setorial da Mandioca. Foi realmente um período fantástico, de muito aprendizado e o próprio ministério cresceu muito nisso.
Hoje realmente não tive mais contato. A última vez parece que a Câmara da Mandioca estava sendo presidida por alguém aqui da região, que é o Osvaldo Zanqueta. Mas é um instrumento fantástico para a gente direcionar os nossos problemas em relação ao Governo Federal e o Ministério da Agricultura.
Quando a ABAM foi criada estava no plano do setor buscar apoio governamental? O que o setor queria na época? As demandas são as mesmas até hoje? No que vocês foram atendidos?
Veja bem: quando a ABAM foi criada, a gente queria o apoio governamental para alavancar o setor, mas o que a gente queria mesmo a médio e longo prazo era ficar independente do governo, não necessitar tanto de AGF, EGF, recursos de custeio etc. A gente queria que o setor caminhasse com as próprias pernas, porque assim era o que estava acontecendo com a soja, com o milho e com outras grandes culturas. E hoje vejo que o setor quase não trabalha mais com AGF/EGF, raríssimas vezes acontece.
E esse apoio governamental nós tivemos sim durante todo esse período, inclusive culminou com o reconhecimento das lideranças do setor de ter a Câmara Setorial específico da Mandioca, porque quando criaram as câmaras setoriais, era mais das grandes culturas, depois que surgiu a da mandioca, da uva, até do fumo. Isto foi realmente uma grande conquista, pois encurtou muito o caminho da reivindicação. Tinha problema de comercialização? Imediatamente o ministério ficava sabendo. Tinha uma pessoa de confiança do ministro, como secretário-executivo da Câmara que direcionava todo os recursos.
Tivemos reuniões com os ministros da Economia, até com a Zélia Cardoso a gente se reuniu, a gente se reunia sempre com o Ministério da Economia e com o Ministério da Agricultura e vários deputados nos apoiavam lá na Câmara Federal, senadores, a gente sempre tinha esse apoio, tinha praticamente um grupo de trabalho, uma bancada que apoiava o setor da mandioca.
A ABAM teve alguma participação na criação da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Mandioca e Derivados? Em que esta Câmara pode ajudar o setor?
Bem, eu presidi a Câmara Setorial da Mandioca por duas vezes. Uma foi na sua fundação, fundei e organizei inicialmente e nossas reuniões tinha a participação do Brasil inteiro e do Ministério vários funcionários e tinham assento: o Banco do Brasil, vários setores do Ministério da Economia. Foi um período de muito aprendizado. E acabou aquele negócio de “ah, não tem dinheiro para isso”. Nós tínhamos que fazer manifestação e briga.
Me lembro bem que foi o diretor de crédito rural do Banco do Brasil, Luiz Antonio Fayet, um paranaense que foi deputado também e tinha uma abertura fantástica com a gente, fizemos uma amizade pessoal muito grande. Sempre nos falávamos por telefone. Uma vez ele veio a Paranavaí e nós tínhamos uma manifestação enorme, um tratoraço, caminhonaço e ele ficou assustado e disse: ‘nossa, estão homenageando a minha mãe’ (risos). Mas as reivindicações que a gente fazia, estando no alcance, eram atendidas.
A ABAM construiu até aqui uma história
de muito progresso”,
Então, a Câmara setorial teve um papel fundamental no encurtamento de caminhos para a solução das demandas que o setor tinha. E o setor sempre era na época aquela situação: quando sobrava produto era fazer AGF e EGF para poder esticar o produto para comercializar o produto no período que tivesse com melhores preço.
Você avalia que a ABAM cumpriu com a função para a qual foi criada?
Cumpriu sim. Primeiro, com o conhecimento interno do setor. O primeiro trabalho que fizemos de levantamento de produção e estoque culminou com a celebração do acordo com o CEPEA, que hoje faz esse trabalho, tem um subsídio da ABAM para isso. E ele fornece dados que nós, na época, não tínhamos nada.
Então acho que a ABAM está preparada para um novo salto de produção no futuro. Mas é preciso que os industriais realmente tenham noção da importância de o setor, que é privado, que não dá para ficar contando com o governo para apoiar em tudo que faz. Tem que agora caminhar pelas suas próprias pernas. A ABAM construiu uma história até aqui de muito progresso, em termos de aumento de produção em 15 anos e 15 anos de agregação de valores, desenvolvimento de novas formas de comercialização, o nosso produto hoje está aparecendo no supermercado, o nosso produto hoje está aparecendo nas lanchonetes, coisa que não se via 15, 20 anos atrás. Acho que o setor precisa continuar avançando.
Quais os principais acertos e erros cometidos pela ABAM nestes 29 anos?
Acho que os principais acertos são os que eu já citei, fomos por um caminho do conhecimento interno do setor, a ABAM investe também em pesquisa e desenvolvimento, mas é pífio em relação à necessidade. Temos que alcançar produtividades maiores, temos que cultivar a mandioca irrigada, temos que cultivar novas variedades de forma mais acelerada. Temos que investir muito, mas muito mais em pesquisa. O que a Embrapa faz, o IAPAR faz, não é 1% do que se faz para a soja e para o milho por exemplo. Por aí dá para se ter uma ideia do potencial que temos para crescer em produção e produtividade.
Acho que só tivemos acertos no sentido da organização do setor. Mas já de uns dez anos para cá a gente vê que a ABAM acomodou. A ABAM está num momento em que as pessoas não tem um objetivo claro onde quer chegar.
Na época eu tinha lançado um desafio: nós vamos competir com a Tailândia e vamos medir em produção. E quando chegamos em 700 mil toneladas eu pensava o seguinte: dentro de cinco anos, vamos chegar a dois milhões de toneladas, que era o que a Tailândia produzia na época, hoje ela produz algo em torno de 4 a 5 milhões de toneladas e nós continuamos produzindo 500, 600 mil toneladas.
Talvez, se a gente produzir 500 mil toneladas e agregar muito valor nesse produto, podemos ser um setor lucrativo e de muito bom resultado.
Por que você está afastado da ABAM? Seu irmão, Alcides o representa na entidade?
De certa forma, meu irmão Alcides representa porque é meu sócio na empresa-mãe do nosso grupo. Eu participo e sou sócio da ABAM através da Alimentos Yama. O que eu tenho realmente é me ausentado das reuniões, porque minha rotina mudou muito. Por ter que comercializar nosso produto no varejo e no Brasil inteiro – o varejo é uma coisa que me consume muito como executivo. Na minha agenda dificilmente consigo espaço para participar das reuniões da ABAM. Então de fato raramente tenho ido às reuniões ultimamente, mas só por conta da minha rotina. Até tivemos discutindo internamente com os executivos da empresa se a gente não destacaria um executivo para estar presente nas reuniões da ABAM. É provável que a gente faça isso. Não estou afastado porque recebo constantemente os relatórios, as informações, as notícias postadas no site que notei que recentemente aumentaram bastante. Então não estou afastado totalmente não. Meu irmão está lá, de certa forma me representa e quando posso eu vou as reuniões, mas estou sempre antenado, recebendo as atas de reuniões, relatórios, participando junto ao CEPEA etc.