O pão de queijo pode ser mineiro, mas é do Paraná que sai um de seus principais ingredientes: a fécula de mandioca. O estado é líder na produção em todo o Brasil, concentrando o maior número de indústrias que processam a raiz, transformando em farinha e fécula (produto também conhecido como amido). De acordo com dados da Rais 2021 (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho e Emprego, o Paraná tem 58 das 328 indústrias de processamento de mandioca existentes no país.
E é exatamente para Minas Gerais, para fazer o famoso pão de queijo, que vai grande parte da produção das fecularias paranaenses. “Minas é nosso principal mercado, mas como existe produção de pão de queijo, especialmente o congelado, em praticamente todo o Brasil, nós vendemos para todos os estados”, conta Ivo Pierin, um dos mais tradicionais produtores de mandioca do Paraná e industrial do setor.
Outros segmentos da indústria de alimentos também consomem o produto. O amido entra como ingrediente na produção de pães, biscoitos, mistura para bolos, tapioca, massas. embutidos, queijos, requeijão, iogurtes e bebidas lácteas. Com uma vantagem: não tem glúten. Assim, se não tiver mistura com farinha de trigo ou outras farinhas que contenham glúten, o produto final pode ser consumido pelos celíacos e por quem opta por uma alimentação mais natural.
Insumo na indústria de papel – Mas engana-se quem pensa que é apenas o setor alimentício que utiliza o produto. Versátil, a fécula de mandioca é usada por indústrias de vários segmentos. Um dos principais usos é na produção de papéis e embalagens. E isso se deve à adesividade do produto, que é a capacidade de unir as fibras de celulose e tornar a estrutura do papel mais rígida e compacta.
Além disso, “a indústria de papel e celulose tem uma grande preferência pelo amido de mandioca em comparação a outros amidos e acaba até pagando mais caro pelo produto, especialmente para a produção de papéis de alto padrão”, conforme destaca Pierin. “Um papel comum pode ser feito com qualquer amido, mas um papel de qualidade superior, fino e de cor clara tem que ser feito a partir do amido da mandioca”, afirma o empresário.
O Sindicato da Indústria de Papel e Celulose do Paraná (Sinpacel) confirma o uso do amido da mandioca pelo setor. “É um produto muito utilizado em praticamente todos os tipos de papel”, afirma Fernando Sandri, diretor técnico do Sindicato. “As nossas indústrias utilizam o amido de mandioca na produção de papel cartão, papel para embalagem, caixas de papelão e mesmo no papel de impressão e de escrever”, diz Sandri.
Ainda segundo o diretor, o produto tem um bom poder adesivo que permite a colagem interna das fibras. “O amido de mandioca frente ao de milho é uma alternativa maravilhosa, tem poucos contaminantes, é mais branco, bom de se trabalhar, tem uma boa viscosidade e uma boa retenção de líquidos”, avalia. Em relação ao custo, Sandri diz que é variável, de acordo com a safra e com o mercado. “Em determinados períodos, o amido de milho está mais vantajoso e, em outros, o da mandioca é mais acessível”, observa.
O diretor do Sinpacel destaca as pesquisas que estão sendo feitas para o desenvolvimento do chamado biofilme, a partir do amido da mandioca. É um filme feito a partir do produto vegetal que pode ser usado no revestimento de embalagens, especialmente aquelas destinadas à conservação de alimentos congelados. “Certamente será um produto muito usado pelas indústrias”, acredita.
Minério de ferro, remédios e cosméticos – As indústrias farmacêuticas e as de cosméticos também usam a fécula de mandioca na composição de remédios e produtos de beleza. E o produto é usado até pelo setor de mineração. Neste caso, a fécula entra para separar o minério de ferro da água e da terra, processo chamado de flotação.
O presidente do Sindicato da Indústria da Mandioca do Paraná (Simp), João Pasquini, explica que, no Sul do país, a industrialização da raiz, com a instalação de farinheiras e fecularias, começou por Santa Catarina. “Mas, lá não havia área suficiente para a expansão das lavouras. Então, os produtores vieram para o Paraná. Primeiro para o oeste, especialmente para os municípios de Marechal Cândido Rondon e Toledo”, conta.
Depois foram para o noroeste, tendo como polo Paranavaí, onde o plantio se consolidou e se expandiu para os municípios vizinhos. “Da mesma forma, as indústrias migraram para a região”, explica Pasquini, que também ingressou na atividade plantando mandioca, depois instalou uma indústria de farinha e fécula, a Amidos Pasquini, em Nova Esperança, no noroeste do Paraná.
A razão da mudança da maioria dos produtores do oeste para o noroeste do estado foi principalmente pela preservação da qualidade final do produto e pelo seu uso industrial. O oeste é caracterizado por uma terra muito escura, a chamada terra roxa, que interferia na coloração final da raiz e, por consequência, na cor do amido. As indústrias, de um modo geral, especialmente as de alimentos e as de papéis, preferem um amido totalmente branco.
Produto democrático – “Não existe outra cultura que seja tão democrática quanto a mandioca”, destaca o produtor e industrial Ivo Pierin. Segundo ele, a planta é bastante rústica. É possível produzir em qualquer área, desde uma micro propriedade até uma grande. É muito resistente a diversos tipos de clima, até mesmo a períodos prolongados de seca. “A soja e o milho, por exemplo, precisam de chuva em períodos específicos do desenvolvimento da planta. Se não chove nesses momentos, a quebra é inevitável. Já na mandioca não existe essa exigência”, explica Pierin.
Além disso, o produto é bem resistente a pragas e não demanda muitos insumos. Por conta de todas essas características, tem um custo de produção relativamente baixo e garante uma boa remuneração ao produtor. Este é um dos principais motivos que levaram os agricultores que se dedicam ao cultivo da mandioca a investir também na industrialização. “Os produtores foram tendo bons resultados e passaram a instalar pequenas farinheiras, expandindo para fecularias”, observa Pierin. Segundo ele, este foi o caso dele, assim como de vários outros agricultores paranaenses.
Pierin cultiva mandioca há aproximadamente 50 anos. E, há cerca de 33, passou a industrializar o produto, instalando uma pequena farinheira. O negócio cresceu: hoje ele e a família são donos da Podium Alimentos, indústria especializada na produção de fécula e de farinha de mandioca, no município de Tamboara, também no noroeste do Paraná.
De agricultor, transformou-se em industrial e hoje investe em desenvolvimento de novos produtos, como a mandioca em pó, produto que tem mercado garantido no setor de alimentos. Vem sendo muito usado como ingrediente para mistura para bolo e o popular escondidinho, que se encontra facilmente na sessão de congelados nos supermercados. O produto também garante uma boa textura para iogurtes, bebidas lácteas e queijos.
Cultivo da mandioca rende boa remuneração ao produtor – Como destacou o produtor e industrial do setor Ivo Pierin, a cultura da mandioca é democrática, podendo ser cultivada por agricultores de todos os portes sem exigir muitos investimentos. Mais que isso, tem uma função social importante porque permite que ele evolua. Os números comprovam essa tese. De acordo com dados do Sindicato da Indústria da Mandioca do Paraná, de 70% a 80% das indústrias do setor são de produtores rurais. Eles começaram pequenos, plantando a raiz e foram tendo condições de investir no processamento, instalando farinheiras e depois fecularias.
Essa possibilidade de evolução na atividade se deve, em grande parte, à boa remuneração que o cultivo da mandioca garante ao produtor. “O custo de produção de uma tonelada da raiz é cerca de R$ 500 e esse mesmo volume de produto é comercializado a R$ 1 mil”, informa Methódio Groxko, técnico do Departamento de Economia Rural (Deral), da Secretaria da Agricultura do Paraná. De acordo com dados do Deral, o Paraná tem 136 mil hectares cultivados com mandioca e a produção estimada para a atual safra é de 3,1 milhões de toneladas.
Em relação à produção da raiz, o Paraná é o segundo produtor nacional, atrás do Pará, de acordo com dados do IBGE. O terceiro colocado é a Bahia. “Na produção de fécula, os paranaenses sempre lideraram, respondendo por pelo menos 60% da produção nacional e em algumas safras chegando perto de 70%”, destaca Groxko.
Só o noroeste paranaense fornece cerca de 40% da fécula de mandioca consumida em todo o Brasil. De acordo com dados do sindicato da categoria, as indústrias do Paraná produzem 400 mil toneladas de amido por ano com o processamento de 1,6 milhão de toneladas da raiz. O restante, das quase 3 milhões de toneladas que o estado produz é destinado ao consumo in natura.
Segundo Pasquini, o Paraná já teve muitas farinheiras, mas hoje a maior parte das indústrias dedica-se à produção de fécula. “A farinha tem um consumo mais sazonal, já a fécula, por ser usada por muitos setores industriais, tem demanda o ano inteiro”, explica.
Impacto positivo na empregabilidade – Diferente de outros setores industriais, a maioria das indústrias da mandioca estão, de fato, nas mãos dos próprios agricultores, confirma a Federação das Indústrias do Paraná (Fiep). “Os produtores que viram essa possibilidade investiram na industrialização, o que gerou um impacto muito positivo, tanto para o próprio agricultor que agregou valor à produção, com a transformação da matéria-prima, quanto na empregabilidade da região e na industrialização do Paraná”, analisa o economista Evanio Felippe, da Fiep.
De acordo com dados do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego, enquanto o setor industrial paranaense como um todo teve um aumento de 0,34% no nível de emprego entre janeiro e fevereiro desse ano, nas indústrias de mandioca o número de empregados no mesmo o período subiu 3,63% no estado.
“A boa oferta de emprego pode estar sendo estimulada pelo setor de papel e celulose, que é bem expressivo no Paraná e que usa em seu processo de produção o amido de mandioca na fabricação de papel de alta qualidade”, observa o economista. “Quando esse setor eleva a produção, toda a cadeia de fornecimento é impactada”, explica.
Próximo passo: conquistar o mercado externo – É o mercado interno que consome grande parte da fécula de mandioca produzida pelo Paraná e pelos outros estados. Uma pequena parte é exportada para os Estados Unidos e o Mercosul. Alguns recentes acontecimentos no mercado internacional abriram portas para o Brasil, e especialmente, para o Paraná nesta área. O Paraguai, que atende mais os mercados da América do Sul e do Norte por ter custos menores em comparação ao Brasil e ser mais competitivo, teve problemas de produção no último ano. O Paraná absorveu parte desta demanda.
Também a Tailândia, maior exportador mundial de fécula de mandioca e que abastece a América do Norte e a América do Sul, deixou de exportar para esses destinos mais distantes devido à alta no preço dos fretes marítimos. Paralelamente, houve aumento no consumo pela China. Tudo isso mudou a dinâmica do mercado internacional abrindo boas perspectivas para o Brasil.
De acordo com dados do Ministério da Agricultura, as exportações de fécula de mandioca pelo Paraná subiram 80% em 2021, chegando a 12 mil toneladas, o que foi um recorde. Todo o Brasil exportou 32 mil toneladas. Além do Paraná, outros estados destaques na exportação do produto foram Mato Grosso do Sul e São Paulo.
“Tem espaço para ser conquistado no mercado externo”, atesta Ivo Pierin. Segundo ele, se aumentar a exportação não se corre o risco de ter um excedente de produção no mercado interno e cair o preço e a rentabilidade ao produtor. “Seria uma válvula de escape, já que um dos nossos problemas é a dependência do mercado interno”, observa. Para Pierin, o Brasil tem qualidade para conquistar o mercado externo, mas é preciso ter constância no fornecimento.
Investimento em pesquisa e em mecanização – “Hoje, não conseguimos expandir. Estamos limitados porque a mandioca demanda muita mão de obra, o que está escasso no campo”, diz o presidente do Simp, João Pasquini. Para contornar o problema, segundo ele, algumas empresas do setor de máquinas e implementos agrícolas estão investindo para que seja possível mecanizar totalmente a colheita. “O plantio é mecanizado, mas a colheita é semimecanizada e queremos 100% de mecanização”, defende Pasquini. Segundo ele, se conseguir isso, o setor cresce muito.
A expectativa é que dentro de três a cinco anos haverá uma colheitadeira totalmente desenvolvida para a colheita da mandioca. Pasquini diz que a máquina poderá ser adquirida individualmente pelo produtor ou ser comprada pela indústria de fécula e cedida para os agricultores fazerem a colheita.
Outra necessidade que o setor sente é o investimento em pesquisa que garanta maior produtividade. “Nosso grande concorrente é o amido de milho, que consegue ser mais competitivo porque, além de a colheita ser totalmente mecanizada, é um produto que teve a produtividade muito elevada nos últimos anos, fruto de investimento em pesquisa”, destaca Pasquini.
O milho tem processo de proteção de sementes, o que viabiliza o investimento em pesquisa e desenvolvimento para buscar variedades mais produtivas, o que é mais difícil de ser feito com a mandioca, cujo plantio acontece a partir do caule ou da rama. Segundo o Simp, o Paraná tem um parque industrial de mandioca ocioso. Se aumentasse a produtividade, reduziria o custo de produção, tornando o amido de mandioca competitivo em relação ao amido de milho. Com isso, o consumo industrial dentro do país poderia aumentar, bem como a exportação. (Por Elvira Fantin, da Gazeta do Povo)