Pesquisadores da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) estão usando espécies silvestres de mandioca para promover o melhoramento genético da raiz. Nessas variedades pouco conhecidas, geralmente não comestíveis, são prospectados genes de interesse para a produção agrícola relacionados a características agronomicamente interessantes como produtividade, resistência a doenças e maior teor de amido (característica demandada pela indústria).
O trabalho faz parte do chamado pré-melhoramento que visa identificar características de interesse úteis em acessos pouco adaptados às condições de solo e clima local e disponibilizar esses genes em genótipos mais adaptados, com boas características agronômicas, para que sejam inseridos no programa de melhoramento. “As nossas ações de pré-melhoramento são basicamente focadas em descobrir alelos úteis para características de importância agronômica que interessam aos agricultores, como resistência a pragas e doenças, produtividade de raízes e amido, atributos associados à qualidade das raízes e propriedades de pasta que são atributos que cada amido possui e define as suas aplicações industriais”, explica o pesquisador Eder Jorge Oliveira, melhorista da Embrapa.
DUAS DÉCADAS DE PESQUISA – Quase 20 anos atrás, projeto liderado pelo pesquisador Alfredo Augusto Cunha Alves em parceria com o International Center for Tropical Agriculture (Ciat), da Colômbia, buscava descobrir o potencial de utilização das espécies silvestres de mandioca quanto a resistência às principais pragas e doenças (estresses bióticos), bem como à tolerância à seca e à deterioração fisiológica pós-colheita (estresses abióticos). “Conseguimos confirmar que as espécies silvestres são fontes de genes que poderiam ser utilizados no programa de melhoramento. Elas têm uma diversidade muito grande quando comparada com a nossa mandioca comercial”, conta Alves.
A introdução de espécies silvestres do gênero Manihot na unidade de pesquisa na Bahia começou em 2005, com sementes botânicas de várias espécies transferidas da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF) e expedições de coletas realizadas nas regiões do Semiárido e do Cerrado. Hoje são cerca de 60 mil sementes de 14 espécies de Manihot. “O gênero Manihot, que é o mesmo da mandioca comercial, tem 99 espécies. Os taxonomistas afirmam que 75% da biodiversidade do gênero está no Brasil. Portanto, somos o principal centro de origem dessas espécies”, continua.
“Para realizar cruzamentos entre a espécie comercial com as silvestres, a semente tem de germinar, a planta tem de florescer e produzir novas sementes híbridas. No entanto, as variedades comerciais, normalmente, possuem uma baixa taxa de florescimento. Além disso, a flor feminina abre primeiro que a flor masculina, dificultando ainda mais a sincronização do florescimento. Daí a importância de estudos para a indução de florescimento da mandioca comercial, que é o foco do Projeto de Melhoramento NextGen, liderado por Eder Oliveira”, relata Alves.
Um exemplo é a espécie Manihot flabellifolia, utilizada em cruzamentos com cultivares comerciais visando à obtenção de cultivares resistentes à mosca-branca Aleurothrixus aepim. Consideradas pragas-chave para a cultura da mandioca, as moscas-brancas são insetos sugadores de seiva e, portanto, enfraquecem e prejudicam o desenvolvimento da planta, afetando a produção e a qualidade das raízes. A Manihot flabellifolia e outras de ocorrência no Brasil foram exaustivamente procuradas pelo pesquisador da Embrapa Carlos Alberto da Silva Ledo e pelos professores e taxonomistas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) Márcio Lacerda Lopes Martins e Paulo Cézar Lemos de Carvalho, já aposentado. A equipe fez expedições no Distrito Federal e em mais 14 estados da federação, com coletas e registros em mais de 300 pontos. “Com base na memória escrita de outros pesquisadores e na percepção visual e experiência desses grandes taxonomistas, enfrentamos muitas horas de estradas difíceis, chuvas e alagamentos”, recorda Ledo.
PARCERIA COM O PRODUTOR – Desde o início dos anos 1990, como aliado à pesquisa convencional, o programa usa a metodologia participativa, que envolve agricultores familiares, indígenas e quilombolas, e se tornou uma ferramenta eficiente para elevar o nível de adoção e difusão das variedades geradas pelas pesquisas, agilizando a sua incorporação pelos produtores e ampliando a diversidade genética de mandioca nas lavouras. Recentemente, com a ampliação da importância do uso da mandioca para fins industriais, as parcerias com a iniciativa privada têm incluído também grandes produtores de raízes e indústrias de amido, especialmente no Centro-Sul do País. O programa vem desenvolvendo cultivares que se somam às de mandioca de mesa lançadas com alta qualidade nutricional e boa conservação pós-colheita, usadas no processamento de produtos com alto valor agregado.
Contrariando o ditado “Casa de ferreiro, espeto de pau”, bem próximo à Embrapa Mandioca e Fruticultura existem duas destacadas agroindústrias de beneficiamento: a unidade de produção de beijus Dois Irmãos, na zona rural de Cruz das Almas, e a Associação Comunitária do Brinco (Abrinco), no município de Maragogipe.
Assim que passou a produzir os beijus coloridos que aprendeu com o pesquisador Joselito da Silva Motta e reformou a estrutura física da Dois Irmãos, José Carlos Mendonça começou a fornecê-los para a merenda escolar por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – além de vender em seu box no mercado municipal. Hoje, o empreendedor emprega 17 pessoas e vende cinco mil pacotes por semana para padarias, mercearias e supermercados do Recôncavo e Região Metropolitana de Salvador. “Trabalhamos de segunda a sexta, das 7h às 12h e das 13h às 17h, mas não conseguimos dar conta da demanda. De pouco a pouco vamos ampliar”, relata.
Já a Abrinco explora outro nicho e tem uma lista diversificada de produtos com o Selo da Agricultura Familiar: massa de aipim, aipim resfriado, aipim com casca, goma de tapioca para beiju, tapioca granulada e farinha de mandioca. Depois de treinamentos sobre processamento e Boas Práticas de Fabricação no Laboratório de Ciência e Tecnologia de Alimentos, a associação escoa cerca de 19 toneladas mensais para o Recôncavo, Salvador e Lauro de Freitas, com potencial de aumentar para 40 t por mês. (Do Portal Compre Rural)