Multicultural e versátil, a mandioca está presente na dieta da população mundial, seja nas porções fritas de bares no Brasil, no fufu, prato típico africano ou na produção de álcool e açúcar na Ásia. Mas o consumo interno em larga escala em diversos países, de maneira ainda arcaica para subsistência, é um dos obstáculos enfrentados para exportação, fronteira aberta por empresas brasileiras por meio da tecnologia e industrialização da fécula usada em produtos de valor agregado como pão de queijo e tapioca.
Apesar do estado do Pará ser o maior produtor de mandioca do país, o Paraná é o grande protagonista do setor industrial, com 70% da produção nacional de fécula de mandioca. É também o Paraná que ocupa o posto de segundo lugar entre os estados com maiores colheitas da raiz no Brasil, com 2,9 milhões de toneladas na última safra 2022/2023.
A mandiocultura é responsável por mais de R$ 3 bilhões no faturamento anual do agronegócio brasileiro.
A diferença entre os estados do Norte e do Sul do país está na tecnologia. Enquanto o Pará ainda tem uma produção para consumo local, a indústria paranaense aposta na fécula, fibras e outros derivados da mandioca para produção comercial. O estado tem 42 fecularias, beneficiadas por questões climáticas, pelo tipo de solo e pelas variedades desenvolvidas pelos institutos agrícolas.
Entre 21 e 23 de novembro, a cidade de Paranavaí (PR), maior polo produtor para fins industriais do Brasil, sediou a Feira Internacional da Mandioca (Fiman)*, com produtores brasileiros de sete estados e de países como Gana, Lituânia, Camarões, Angola, Zâmbia, Costa do Marfim, Argentina, Paraguai, Turquia e Colômbia.
Em pauta, o modelo de negócio industrial brasileiro que, além do potencial de exportação dos produtos finais para o comércio de alimentos, pode exportar conhecimento técnico para o plantio e colheita agrícola. “O Brasil é extremamente tecnificado tanto no campo como na indústria e nos produtos finais. É um dos poucos países com hábitos de consumo de tudo aquilo que produzimos [na indústria] internamente”, ressalta o presidente do evento, Maurício Gehlen.
Como na maioria dos países, principalmente na África, a produção e consumo da mandioca ainda é voltada para subsistência, o presidente da Fiman afirma que o Brasil tem muito a contribuir com o processo de industrialização. “Então, a gente oportuniza que os representantes desses países possam levar conhecimento na área agrícola e industrial com troca de informações em um mesmo espaço em prol da cultura da mandioca”, destaca.
Na avaliação de Gehlen, a exportação no setor ainda é incipiente, mas já ocorre com produtos “genuinamente brasileiros”, como o pão de queijo, que é derivado da mandioca por causa da utilização do amido, o principal ingrediente da receita. Além disso, ele aposta que a goma de tapioca, a farinha de mandioca e outros produtos derivados possuem potencial para entrar no mercado internacional com excedente de produção.
“A Tailândia produz aproximadamente a mesma quantidade de mandioca que o Brasil. Mas exporta sete vezes mais fécula de mandioca, pois se tornou um país com produção voltada ao comércio exterior. Entre os itens está a raspa de mandioca para extração de álcool de mandioca na Ásia, continente onde estão outros grandes produtores com Indonésia, Camboja, Vietnã, países que levaram a mandiocultura do Brasil há cerca de 50 anos e se destacam como países exportadores”.
A produção nacional é de 24 milhões de toneladas por ano no Brasil, com praticamente 100% do consumo internamente com queda acentuada na cotação agrícola. Segundo o presidente da Fiman, o preço da tonelada da mandioca paga ao produtor está na metade do valor, no comparativo com janeiro deste ano. A queda nos preços não foi maior por causa dos alagamentos nas plantações de arroz no país, que acabou por deixar o quilo dos grãos em valores exorbitantes. “Qual o substituto do arroz? A farinha de mandioca, que segurou o mercado para que não caísse o preço abaixo do que o produtor recebe hoje”.
COLHEITADEIRA – Durante a Fiman, a empresa Inroda apresentou a colheitadeira Maná, que remove as raízes de mandioca do solo, sem esmagar, efetuando o transporte e elevação até o armazenamento em bags. Além disso, os restos são descartados em solos para formação de matéria orgânica. A máquina, lançada em fevereiro de 2022, tem potencial para colheita de cerca de 50 toneladas por dia, em oito horas de trabalho, com quatro pessoas na operação.
PÃO-DE-QUEIJO – Considerada uma das mais modernas indústrias de massa de farinha do Brasil, a Podium Alimentos, localizada em Tamboara (PR), processa 600 toneladas por dia para produção de fécula de mandioca regular e amidos modificados, atendendo à especificidade de diferentes clientes no ramo de produtos alimentícios.
Segundo o presidente da Fiman, Maurício Gehlen, que é diretor da empresa, um a cada três pães de queijo consumidos no Brasil possuem amidos de mandioca extraídos pela Podium Alimentos, o que corresponde a aproximadamente 35% da produção voltada para o segmento.
A planta tecnológica industrial é totalmente automatizada com necessidade de apenas um controlador por turnos de produção durante 24 horas. A indústria também possui laboratório de qualidade para segurança dos produtos e laboratório de pesquisas, onde a equipe de engenharia de alimentos desenvolveu mais de 80 tipos de amidos para o pão de queijo. “O carro-chefe é o amido para pão de queijo com variações derivadas da mandioca. Além do consumo nacional, exportamos para 14 países, entre eles, Alemanha, Portugal, Espanha, França, Argentina, Uruguai, Paraguai, Colômbia, Bolívia, Chile, Japão e Nova Zelândia”, informa.
Diretor da empresa e presidente do Centro Tecnológico da Mandioca (Cetem), Ivo Pierin Júnior, avalia que a comercialização internacional mostra um grande potencial principalmente pelos números da agroindústria asiática, liderada pela Tailândia, com metade da produção seca ao sol e a outra parte transformada em féculas e amidos modificados, o que corresponde a 5 milhões de toneladas, em média, para exportação anualmente. “O Brasil produz em torno de 600 mil toneladas de fécula, toda consumida no mercado interno. Olha o potencial que existe de exportação para outros mercados ao invés de ficar restrito apenas ao mercado nacional”, analisa.
Apesar de o Brasil ser um grande consumidor, na avaliação de Pierin, existe uma demanda internacional pelo amido de mandioca, sendo atendida apenas pela Tailândia, que fornece o produto para os Estados Unidos, Europa e África, além do mercado asiático. “Nós [agroindústria brasileira] temos uma participação muito pequena com potencial de crescimento enorme”, ressalta.
Ele argumenta que o mercado internacional ajuda a estabilizar preços, pois quando a indústria fica dependente do atendimento interno, isso limita o consumo. “Em caso de excedente de produção, os preços caem muito com prejuízos certos aos produtores. No mercado internacional, além de crescer na produção, existe um nivelamento, um preço no mercado mundial, valor que pode significar um piso aos produtores, diminuindo riscos de grandes perdas, pagando as contas com lucro e renda”, analisa.
Há três anos, a Podium inaugurou uma filial em Laje (BA) para linha láctea, bebida, iogurte e requeijão e amido modificado para molhos. Recentemente, a empresa também foi premiada na “Food Ingredients” com o produto inovador sustentável pela utilização da fibra de mandioca, que antes era usada apenas como ração animal.
Com a inovação, o derivado foi transformado em ração humana para agregar fibras em diferentes produtos alimentícios. Agora, o setor de pesquisa procura desenvolver técnicas para extração de proteína das folhas e caules da mandioca como alternativa à tendência de carência de proteína animal no planeta. (Por Rafael Fantin, da Gazeta do Povo – Curitiba-PR)
*O repórter viajou a convite dos organizadores do evento.