Agrônomo formado em 1982 pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), com MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, e especialização em Sucessão de Empresas Familiares pela Fundação Dom Cabral, o agroindustrial Maurício Yamakawa foi um dos fundadores e o primeiro presidente da Associação Brasileiras de Produtores de Amido de Mandioca (ABAM), que neste último mês de maio completou 29 anos.
Durante a graduação, Yamakawa acreditava que daria sequência nas atividades do pai, um pecuarista na região noroeste do Paraná. Por isso, fez vários cursos de extensão de mecânica agrícola e principalmente em pastagens. Mas no ano seguinte, após um breve período trabalhando com planejamento agrícola, já começou a atuar na mandiocultura e ainda em 1983 plantou sua primeira roça de mandioca numa área cedida pelo pai. Naquele ano, estava iniciando suas operações em Paranavaí, a Indústria e Comércio de Farinha de Mandioca Estrela, que mais tarde seria a Indemil. “Comecei como pequeno produtor rural, fui ser consultor na área de mandioca para esta indústria, que passou por várias transformações, que continua funcionando em Graciosa (distrito de Paranavaí) e hoje pertence a General Mills”, relembra ele. “Tenho muito orgulho de ter tido uma participação efetiva no início dessa indústria”, diz.
Em 1985, o agrônomo virou sócio da Indemil. “Fundei uma empresa chamada Estrela Rural Agropecuária e ali cheguei a ser o maior produtor individual do Brasil na época, com dois mil hectares de mandioca”, recorda-se. Era uma época que o cultivo era todo manual. Por isso conduzir dois mil hectares de mandioca “era algo impensável, até por mim”. Yamakawa tocou o projeto até 1989, quando vendeu a empresa e constituiu uma nova junto com seus irmãos, a Amidos Yamakawa, que continua sendo a empresa-mãe do grupo, com uma indústria em Amaporã, que começou a operar em 1990, e outra em Nova Andradina (MS), inaugurada em 1994.
Aproveitando sua especialização, Maurício e o irmão Alcides promoveram a sucessão na empresa. A Amidos Yamakawa arrendou a fábrica de Amaporã, a Nutriamidos, com capacidade de processamento de 600 toneladas de mandioca/dia, para os filhos de Alcides. E a indústria de Nova Andradina, Amidos São João, com o nome fantasia Alimentos Yama, ficou com os filhos do agrônomo. A unidade sul-mato-grossense tem capacidade de processar diariamente 400 toneladas de raiz.
Hoje Maurício, que continua morando em Paranavaí, divide seu tempo entre a empresa, visitas a escritórios de representação que comercializa os produtos da Alimentos Yama para todo o Brasil e a acompanhar gerentes de vendas em visitas a clientes.
Foi entre um compromisso e outro, que Yamakawa respondeu as perguntas de uma entrevista alusiva ao aniversário da ABAM. Em tempos de pandemia, ele tem ficado mais tempo em casa. Foi na sua casa que gravou os áudios com a resposta que foi enviado ao Site ABAM através de aplicativo de mensagem.
Nesta longa entrevista, que será publicada em partes, Yamakawa fala como foi fundada a ABAM, os bastidores da época, os avanços e lamenta que, depois de um grande boom o setor vem marcando passo sem aumentar a produção.
Vale a pena conferir.
Em 1985, Paranavaí tinha cerca de 120 farinheiras, a maioria, artesanal para fazer AGF ou EGF e apenas uma fecularia, a Cassava. A produção de fécula estava concentrada em Santa Catarina. O que aconteceu em cinco anos (1985 e 1990) que oportunizou a criação de uma entidade que reunisse produtores de amido?
Realmente, entre 1985 e 1990 quase não tínhamos fecularia na região. Era a Cassava em Paranavaí, e a Incol em Nova Londrina. E tinha uma fecularia em Marechal Cândido Rondon, que é Novo Três passos. Ainda na Estrela Rural, fiz uma proposta para o nosso sócio, que era a Indemil, para a construção de uma fecularia, pois via nesse produto mais nobre da mandioca, que poderíamos agregar um valor melhor que na farinha. Aí me falaram: ‘nós temos o projeto sim de montar a fecularia, mas queremos montar na indústria à parte da empresa agropecuária, porque esta se dedica à lavoura e vamos montar a fecularia’. Foi quando entrei em acordo em falei ‘eu vou montar a minha fecularia com a minha família, meus irmãos, e vocês montam a de vocês’.
“O Milho sempre foi o nosso concorrente”
E nesse momento houve um despertar, a Podium também foi no mesmo ano nosso, lá em Cidade Gaúcha também surgiu uma fecularia no mesmo ano e assim foi se sucedendo, aparecendo vários interessados em cultivar a mandioca e fabricar a fécula. Também vieram alguns industrias de fécula de mandioca do sul para cá.
A Cassava quando se instalou já tinha fecularia em Santa Catarina. E as indústrias daquele Estado, a maioria de pequeno porte, viram a decadência da produção de mandioca naquela região. Eles tinham uma safra de três a quatro meses e, no resto do ano, as indústrias ficavam paradas. E aqui, quando plantava mandioca, (além dos farinheiros que tinham produção própria havia os produtores que plantavam para as farinheiras), tinha mandioca por um período de oito meses, seis meses. Hoje já tem mandioca os 12 meses do ano. Mas isso foi um ganho de competitividade que foi vindo com o tempo.
Então, as farinheiras pequenas foram perdendo competitividade, porque foram sendo construídas de grande porte. Um dos precursores destas farinheiras foi a Pinduca, veio a Yoki, a Amafil. Antes as indústrias de farinha produziam 40 sacas, 80 sacas. Começou a vir farinheira que produzia mil, duas mil sacas por dia. E as menores, com o custo unitário maior, foram perdendo competitividade. Gradativamente foi reduzindo o número das pequenas e as grandes crescendo. Paralelamente também o número de fecularias cresceu. E a área plantada com mandioca também cresceu muito.
O que oportunizou o nascimento da ABAM é que o setor era oligopolizado pela Cassava e pela Companhia Lorenz, duas grandes companhias, que tinham até parcerias com multinacionais e que compravam boa parte das indústrias de fécula menores. Como foram surgindo fecularias maiores no Paraná surgi a necessidade de se abrir o leque e organizar o setor.
Já na época, desde 1985, havia reuniões, ainda muitos espaçadas, entre os feculeiros, para discutir sobre safra, as necessidades do setor, o que se achava dos preços e na época os preços eram muito mais aviltados do que hoje, ou seja, a oscilação era muito maior. Essa oscilação levou muitas farinheiras, fecularias e também produtores de mandioca a quebrar em determinadas crises.
Desde aquela época, o nosso grande concorrente era o amido de milho. Porque até hoje existe mercado que só consome (o amido de) mandioca – é o pão de queijo, a tapioca, os embutidos de carne, para alguns tipos de modificados o amido de milho não se presta.
Existe um mercado, que é o maior de todos, que consome mandioca ou milho e ele é dividido em alguns setores, em que a mandioca é superior ao milho, muito superior, é a maioria deles. Porém, se o rendimento do amido de milho é menor do que o da mandioca, o preço dele, na maioria do tempo, fica abaixo da metade do preço. Tem momentos que a fécula atingiu três reais o quilo, o amido de milho estava em um real o quilo. Nos momentos em que a fécula caía abaixo de um real o quilo, aí o consumo da fécula aumenta muito, porque existe uma preferência pela fécula neste mercado que divide em dois. E também, tem o mercado que só serve o milho, não serve o da mandioca.
Mas o fato é que o amido de mandioca tem algumas vantagens e tem desvantagens também.
O setor de milho foi sempre o nosso concorrente – até hoje o é, mas eles cresceram muito. Uma indústria que cresceu muito no amido de milho são os de xaropes, xarope de glicose, xarope de maltose, este muito utilizado na substituição do malte nas cervejarias.
Bom, então esse mercado que era para atender AGF/EGF ficou famoso porque era assim: um ano tinha muita pouca produção de mandioca no Brasil inteiro, especialmente no Nordeste que era o grande consumidor da farinha e o preço explodia. Aí, com o preço alto, todo mundo queria plantar e se plantava grandes áreas e dali um ou dois anos sobrava mandioca e o preço caía muito abaixo do custo, que não chegava a compensar pagar colheita e frete. Isso ainda acontece, mas em menor escala: o preço não cai tão exageradamente, porque o setor está se autorregulando, houve aumento de consumo neste setor específico que só consome o amido de mandioca
Bem, então nesse período precisava sair destas reuniões e organizar o setor. Foi aí que houve todas as mexidas e que culminou com a criação da ABAM. É um fato histórico.
Na época, a organização do setor inexistia. O então chefe do Núcleo Regional da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, João Álvaro Esquivel Silveira procurava profissionalizar o setor, mas havia muitas resistências. Como os produtores de amido começaram a se organizar se os de farinha não se organizaram na época?
Na verdade, os produtores de amido já tinham uma organização anterior, mas extraoficial. Eram marcadas reuniões, se conversava por telefone, trocava informações, mas não havia uma entidade que congregasse. O Friedel Schindler, que era o presidente da Companhia Lorenz, na época a maior empresa do setor, com várias fábricas e acho que a mais antiga, era um dos entusiastas e queria que existisse esta Associação. Na verdade, queria inclusive presidi-la.
Em 1989, eu tinha começado a construir a minha fecularia, comecei a participar destas reuniões para entender mais de perto como era esse mercado, onde a gente poderia comercializar nossa produção, quais eram os meandros do setor da fécula de mandioca.
Mas anteriormente, na Estrela Rural ainda, entre 88 e 89, eu presidi a Sociedade Brasileira da Mandioca, que era uma entidade técnica-científica, que realizada o Congresso Brasileiro da Mandioca a cada dois anos. E num desses anos, eu tinha organizado o Congresso Brasileiro de Mandioca, que foi sediado em Londrina. Quem presidiu esse Congresso foi o João Álvaro e eu o presidente da entidade promotora.
“Na época era tudo às cegas.
O industrial era cego, não tinha informação nenhuma”.
Então, na época, como produtor que era, o maior individual, me indicaram e me elegeram para ser o presidente desta entidade e tive que conduzir ela para realizar este Congresso em Londrina. E esse Congresso repercutiu muito, porque estava naquele momento em que as fecularias chamavam a atenção, porque a fécula era o produto nobre da mandioca, que tinha que ser mais valorizado, a discussão da adição no trigo, enfim, tudo isso criou uma grande repercussão neste Congresso. Por conta disso, nas reuniões que fui participar, nem era feculeiro ainda, já falavam em fundar a entidade, em fundar a ABAM. Foi em 89 que começou este movimento e acabamos conseguindo fazer a papelada toda (o Friedel Schindler acabou cedendo os advogados da empresa para montar estatuto) e a primeira sede da ABAM foi em Curitiba, porque muitas indústrias eram de Santa Catarina, outras do Paraná e Curitiba ficava no meio do caminho, um ponto geograficamente interessante. E a primeira sede funcionava dentro da Federação das Indústrias (FIEP), na sede antiga, no Centro Cívico. Era lá que eram feitas as reuniões. Eram reuniões mensais.
Fui eleito presidente meio na marra, porque eu não queria, já que não era feculeiro ainda, a minha fecularia não tinha nem rodado ainda. Eu falava: ‘gente, eu tenho que cuidar da minha fecularia que vai começar a rodar e cuidar da entidade também?’. Mas eles queriam que eu fosse presidente por causa de ter sido presidente da SBM e porque tinha um relacionamento já estabelecido em Brasília com o Ministério da Agricultura, com a Câmara dos Deputados etc.
Aí assumi a presidência e o primeiro trabalho que fiz foi fazer levantamento de produção e estoque do setor, porque considerava que isso era fundamental para que pudéssemos ter uma política de preços mais estável e menos quebradeira, pois (na época) um ano quebrava e noutro enriquecia o produtor e o industrial. Era uma tentativa de estabilizar, foi uma odisseia, foi uma dificuldade.
Mas tinha vários pequenos produtores de fécula que eram entusiasta desta ideia a abraçaram e fizemos. As grandes empresas não gostavam muito desse trabalho. Mas foi feito e começamos a levantar produção, chegamos aos números, 90% do levantamento eu fazia pessoalmente. Depois de muitos anos é que conseguimos fazer a parceria com o CEPEA, para eles fazer este levantamento de produção, estoque, moagem, produção de lavouras etc. Hoje a ABAM tem o CEPEA, que faz um trabalho fantástico nas áreas de levantamento de produção, agrícola e industrial, de preços (semanais). É muito legal essa fonte de dados que nós temos semanalmente.
Então, o João Álvaro teve um papel fundamental, porque ele era um entusiasta do setor se organizar. Foi uma época de muita militância, digamos assim, na política setorial da mandioca, que várias pessoas se envolviam nisso, o Gabriel Back, o João Heidemann (já falecido), foi presidente da Aproman (Associação dos Produtores de Mandioca). Tinha muitas pessoas aguerridas lutando para que o setor se organizasse e que também se diminuísse a rixa entre farinheiro, feculeiro e produtor. Hoje ainda existem uma certa rixa interna, mas existe a harmonia, as pessoas compreendem seus lados, o ministro da Agricultura Roberto Rodrigues falava ‘o setor é o seguinte: a gente briga, briga e esquece que estamos no mesmo barco, porque se o preço ficar ruim é ruim para o produtor e é ruim para o industrial também; se o preço ficar bom é bom para todo mundo. Não dá para ficar bom sempre, porque a gente perde competitividade’. E aquilo foi um ensinamento muito grande para todos os industriais que participavam ativamente deste movimento que existia na época.
Muitas pessoas tiveram uma participação fundamental para que o setor chegasse na organização que é hoje. Lá na Yoki tinha também o Gabriel Querubini, que era o diretor comercial, também era um entusiasta do setor. Ele dizia que tinha que se organizar, tinha que se reunir mais, tinha que contratar consultores, assessores para organizar o setor etc. E gradativamente a gente veio organizando. Eu presidi, daquela feita, por dois anos, elegi um sucessor e depois sempre participava nos bastidores e depois chegamos a eleger o Nilton Jacobsen, já falecido, que foi o próximo presidente, depois de um tempo veio o Ivo Pierin(Júnior), depois de um tempo o (Eduardo) Pasquini. O Ivo Pierin e o Pasquini eu participei ativamente dessas eleições para presidente.
Hoje digo que foi um marco histórico a fundação, que realmente trouxe novos ares, novos tempos para o setor de amido de mandioca.
As fecularias brasileiras estavam concentradas em Santa Catarina, por que a ABAM nasceu em Paranavaí?
Na verdade, a ABAM nasceu em Curitiba, depois de muitos anos, quando concentrou-se as indústrias em Paranavaí – até hoje a região produz 40% da fécula nacional e o Paraná 70%, uns 25 a 28% no Mato Grosso do Sul e o restante em São Paulo e outros estados, com uma participação pequena, mudou a sede. Então a primeira sede da ABAM foi em Curitiba e quando transferiu-se para Paranavaí é porque a concentração de indústrias já era grande aqui e também a produção de mandioca, ao contrário de Santa Catarina, que nesse setor entrou em decadência.